Daniel-Falcão

Na última quinta-feira, dia 25 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) mais uma vez proferiu uma decisão fundamental para funcionamento do regime democrático brasileiro: julgou favorável à limitação da participação dos partidos políticos menores na propaganda e nos debates eleitorais e, por consequência, confirmou o início do processo lento de morte destas agremiações.

Vários partidos políticos e a associação nacional que representa os interesses das emissoras de rádio e de televisão ajuizaram cinco ações diretas de inconstitucionalidade[1] no STF com, basicamente, dois objetivos. O primeiro era requerer ao Supremo a declaração de inconstitucionalidade de parte do art. 47 da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições), alterado recentemente pela minirreforma política do ano passado (Lei n. 13.165/2015), que modificou o cálculo da divisão do tempo da propaganda eleitoral. O segundo escopo era tratar da nova regra a respeito da participação de candidatos filiados a legendas menores em debates eleitorais no rádio e na televisão.

A partir das eleições de 2016, 90% (noventa por cento) do tempo de propaganda eleitoral é dividido proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados. Os 10% (dez por cento) restantes são distribuídos igualitariamente entre todos os partidos, com representantes na Câmara dos Deputados ou não. Deve-se rememorar que além dessa divisão claramente dificultar o trabalho das legendas menores e dos chamados nanicos para propagandear seus projetos, propostas e candidatos, a mesma minirreforma política promulgada ano passado diminuiu consideravelmente o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Em eleições municipais, cada bloco de propaganda durava trinta minutos; no atual processo eleitoral, os blocos duram dez minutos.

A nova divisão do tempo de propaganda eleitoral somada à diminuição deste tempo para todos os partidos políticos resultou, para os partidos políticos menores, em tempos exíguos de propaganda. O Ministro Roberto Barroso citou um argumento bastante interessante de uma das siglas interessadas, que alegou ser o tempo de sua propaganda nas eleições de 2016 mais curto que a marca realizada pelo atleta jamaicano Usain Bolt na prova dos 100 metros rasos na Olimpíada do Rio de Janeiro (alguns centésimos abaixo dos dez segundos).

Fica evidente que a nova divisão do tempo de propaganda eleitoral terá como consequência o enfraquecimento dos partidos políticos menores, ao gerar um ciclo vicioso: com pouquíssimo tempo de propaganda, essas siglas tendem a ter menos votos nas eleições municipais. Com menos votos em 2016, esses partidos terão mais dificuldade em atrair apoio financeiro.

Nesse ponto, deve-se relembrar que o STF declarou inconstitucionais as regras da Lei das Eleições que regulamentavam o financiamento partidário e eleitoral advindo de pessoas jurídicas de direito privado e, consequentemente, os partidos e as candidaturas só poderão amealhar recursos que tenham origem no Fundo Partidário e nas doações de pessoas físicas, o que diminuirá sensivelmente o volume de recursos arrecadados. Com menos recursos e redução no apoio, essas legendas elegerão poucos deputados federais em 2018 e, consequentemente, terão reduzido tempo de propaganda, o que implicará restrição de acesso ao dinheiro do Fundo Partidário. Completa-se, assim, o ciclo vicioso.

Dessa forma, há uma clara inconstitucionalidade nessa divisão de tempo de propaganda eleitoral tão severa. A Constituição de República determina que o regime democrático brasileiro tenha como bases o pluralismo político (art. 1º, V), a isonomia (art. 5º, II) e o pluripartidarismo (art. 17, caput). A nova divisão do tempo de propaganda fará com que partidos políticos nanicos, pequenos e até médios, muitos deles importantes para o bom funcionamento da democracia brasileira, morram lentamente, por inanição e por raquitismo. O STF entendeu, porém, por maioria (vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello), pela constitucionalidade da nova divisão do tempo de propaganda eleitoral.

O segundo objetivo destas ações diretas de inconstitucionalidade era tratar das regras de debates eleitorais no rádio e na televisão, mais especificamente do art. 46, caput, da Lei das Eleições, texto também alterado pela minirreforma eleitoral de 2015. O novo texto determina que somente os partidos políticos que tenham ao menos dez deputados federais (a lei fala em “representação superior a nove Deputados”) terão direito à participação nos debates eleitorais. As emissoras estariam livres para convidarem os candidatos cujas agremiações não cumpram esse requisito legal, desde que 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos ao comparecimento no debate aprovem a participação dos postulantes. Em um exemplo real, semana passada, em São Paulo, a participação da candidata Luiza Erundina (PSOL, partido com seis deputados federais) foi vetada pela maioria dos candidatos cujos partidos cumprem o requisito legal já citado.

Os Ministros do STF dividiram-se no ponto. Os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello votaram pela inconstitucionalidade do texto, sob a alegação de que a vedação à participação dos debates dos candidatos dos partidos políticos menores desrespeita o princípio da igualdade de oportunidades. Já os Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski votaram pela improcedência da ação, ou seja, pela manutenção do texto conforme redigido na minirreforma política.

A maioria (Ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Edson Fachin), porém, votou pela procedência parcial do pedido: o parágrafo § 5º do art. 46 da Lei das Eleições foi interpretado conforme à Constituição e, dessa forma, o STF considerou que as emissoras podem convidar candidato cujo partido não cumpra o requisito de ter ao menos dez deputados federais, mas determinou a desnecessidade da concordância dos outros candidatos.

Esta decisão conferiu, na prática, um grande poder às emissoras de rádio e de televisão. São estas quem poderão decidir quais candidatos serão convidados, sendo que a lei garante que somente os candidatos filiados a partidos com ao menos dez deputados federais sejam obrigatoriamente convidados. Até 2015, a Lei das Eleições determinava o convite a todos os candidatos cujos partidos tinham representação na Câmara dos Deputados. Este critério era mais justo, pois garantia a presença de candidatos de uma gama partidária mais variada, além de não garantir convites apenas aos partidos que poderiam ser considerados irrelevantes no cenário político nacional.

O novo texto da Lei das Eleições, na prática, dificulta sobremaneira a possibilidade de candidatos de partidos menores, muitos deles importantes e bem ranqueados nas pesquisas eleitorais, de participarem de um dos principais momentos das eleições: a oportunidade de os eleitores conhecerem, numa transmissão ao vivo, suas ideias, suas propostas e suas reações diante de seus adversários.

Além disso, dar às emissoras a possibilidade de escolherem, ao bel-prazer, sem qualquer critério objetivo da lei, quais candidatos de partidos menores convidar trará uma nova judicialização da questão, pois os não convidados sentir-se-ão prejudicados. Cristalizou-se, assim, a violação aos princípios constitucionais do pluralismo político, do pluripartidarismo e da igualdade de oportunidades, trazendo ao cenário político mais um elemento para o ciclo vicioso que culminará na morte lenta dos partidos políticos menores. Este processo, além de atentar contra a Constituição, poderá redesenhar o sistema partidário-eleitoral brasileiro de forma difícil de imaginar, pois os atuais grandes partidos podem ficar ainda mais fortes, esmagando novas ideias e a possibilidade de participação política das minorias.

Fonte: Jota UOL

Disponível em: http://jota.uol.com.br/e-leitor-o-papel-stf-na-lenta-morte-dos-partidos-politicos-menores

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